quinta-feira, março 24, 2005

Mito de Orfeu...e Miguel Torga...

Orfeu Rebelde

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.


Miguel Torga, «Antologia Poética». Lisboa, Publicações Dom Quixote, 5.ª ed., 1999.

"Um mito querido de Torga é o do Orfeu.Orfeu era o filho da musa Calíope e do rei da Tárcia, segundo uns; segundo outros, de Clio e Apolo. Era um cantor, um músico maravilhoso. Os sons da sua lira domavam as feras, que se deitavam a seus pés. Tendo sua mulher Eurídice sido mordida mortalmente por uma serpente, Orfeu desceu aos infernos, habitação dos mortos, para a ir buscar. Com a doçura do seu canto, obteve das dinvindades infernais a permissão, com a condição de não se voltar para trás enquanto não houvesse transposto os limites das sombras do inferno. Tal não aconteceu e Orfeu nunca mais voltou a ver Eurídice.

Miguel Torga reutiliza muitos mitos gregos tirando partido do seu significado e aplicando-os quer a si que à sua terra. No caso do mito de Orfeu, destaca a rebeldia de quem não aceita os limites que lhe são impostos.
Como poeta, considera-se chamado à suprema missão de gritar a sua solidariedade humanista com todos os homens, sobretudo os que são mais abandonados, e lancar-lhes na alma a chama da esperança. Por isso, intitulou Orfeu Rebelde um dos seus melhores livros de poesia."


Transcrevi o poema e o comentário que havia lido num dos livros que tenho e de vez em quando decido reler... Perguntarão vocês qual a minha ideia ao faze-lo; transcrevendo um poema, quando na verdade nem sempre é uma forma muito fácil de transmitir algo às outras pessoas, mas vejamos bem nos versos deste poema, a revolta de quem o escreveu. É evidente o humanismo que sabemos que era característico de Miguel torga. Sobressai à vista o revolucionário que era e chama a atenção para isso; para limites impostos e que nem sempre são cumpridos.

"Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura."

Uma voz erguida em favor de todos nós. Por nós e para nós!

Cathy

Sem comentários: