segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Existir Pelo Prazer de Não Ser Útil

Quem prestado atenção ao blog, percebeu já que a leitura é para mim um prazer, comparável apenas a... pequenos grandes momentos que guardo só para mim... No fundo do coração, como se fosse uma paisagem que só eu posso admirar... E como qualquer paisagem, é sempre única e de difícil descrição. Como se diz no livro As Cores Do Crepúsculo Estética do Envelhecer de Rubem Alves:

«"O que sinto, a verdadeira substancia com que sinto, é absolutamente incomunicável; e
quanto mais profundamente sinto, tanto mais incomúnicável é", diz Bernardo Soares. As paisagens da alma não podem ser comunicadas. A alma é o lugar onde os sentimentos são profundos demais para palavras. "Calamos", diz Sor Juana, "não porque não tenhamos o que dizer, mas porque não sabemos como dizer tudo aquilo que gostariamos de dizer".»

Foi por isto que transcrevi esta parte e por tudo o que sinto sem conseguir concretizar em palavras suficientemente explícitas, daquilo que tenho cá dentro de mim... Tento por meio de outras "vozes", passar um pouco daquilo que se pode recolher de modo a... tornar menos difícil a nossa partilha de... Emoções.
É também por isto que deixo mais um excerto, ainda do livro referido, mas desta vez nada acrescentarei. É daquelas "paisagens" que cada um tem de observar e... mergulhar nela... deleitar-se e... aprender a Ser, unicamente pelo prazer de não ser útil...

«(...) Takeshi Nojima (...) com 80 anos (...). Prepara-se para prestar vestibular de medicina. E ele explica-se: "Parte da minha vida passei cuidando dos meus pais. Outra parte cuidando dos meus filhos. Chegou, finalmente, a hora de cuidar de mim mesmo. Sempre sonhei estudar medicina. Quero agora realizar o meu sonho".
(...)
O meu primeiro impulso foi o de rir ante a loucura de um velho. Será que ele não sabe somar os anos? Será que ele não tem consciência dos limites da vida?
(...)
"É claro que ele sabe de todas as coisas. É claro que ele sabe que, provavelmente não haverá tempo para o exercício da sua profissão. Ele sabe que tudo é inútil. E, a despeito disso, fá-lo. Inútil como aquela árvore que não vivia pelos usos que pudesse ter, mas pela sua alegria de ser".
Utilidade. Colheres, facas, vassouras, alicates, martelos (...): são todos úteis. A sua razão de ser é aquilo que se pode fazer com eles. São ferramentas, meios, pontes, caminhos para outras coisas diferentes deles... Em si mesmos, não dão nem prazer nem alegria a ninguém.
Inutilidade. (...) O pequeno poema de Emily Dickinson que repito de cor. (...) o bonsai de que cuido. (...) Não servem para nada. Não são ferramentas úteis para realizar tarefas. Nem são caminhos ou pontes. Quem tem essas coisas não precisa de ferramentas, pois com elas cessa o desejo de fazer. Quem tem essas coisas não precisa nem de pontes nem de caminhos, porque com elas cessa o desejo de ir. Não é preciso ir, porque já se chegou lá, no lugar da alegria. O prazer e a alegria moram na inutilidade.
E pensei então que aquele homem divino ia fazer o seu curso de medicina como quem escreve um poema (...); para nada, pelo puro prazer, pela alegria de ser. (...)".»
Cathy

2 comentários:

Luís disse...

apetece-me roubar-te o post. está aqui escrito muito do que quero dizer mas nem sempre, como tu escreves, "tenho palavras suficientemente explicitas" para o dizer.
é lindo.

Uma estrela errante disse...

Gostei muito!
Escreves muito bem! e os textos são sempre muito interessantes.

Isa*